A canábis é uma das plantas medicinais mais antigas do mundo. Segundo o Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM), a planta foi usada durante muitos séculos por comunidades europeias e do Leste Asiático para a aquisição de fibras e para o fabrico de tecidos devido à sua resistência. O uso da canábis para fins medicinais surgiu em 2.700 A.C. e já na altura a planta era usada para tratar uma grande variedade de doenças, entre elas convulsões e epilepsia. Embora as propriedades psicoativas da planta fossem identificadas em meados do século XIX, o uso da planta milenar entrou em declínio no século XX devido à proibição do seu cultivo. No entanto, a partir dessa altura foram inúmeras as investigações levadas a cabo por investigadores e farmacólogos que comprovaram a eficácia das propriedades da planta para diversas patologias e sintomas como epilepsia, convulsões, redução de náuseas e vómitos de doentes oncológicos, distúrbios alimentares, esclerose múltipla, entre outros.
O progressivo conhecimento das propriedades da canábis para o uso medicinal e a consequente remoção desta planta da lista da ONU das substâncias mais perigosas, proporcionou uma crescente tendência de liberalização relativamente ao consumo de canábis por todo o Mundo. Em Portugal o uso terapêutico foi legalizado em 2018, está regulamentado desde fevereiro de 2019 e começa a dar os primeiros passos desde essa data. As condições privilegiadas de Portugal – bom clima, horas de exposição solar, terrenos disponíveis, mão de obra qualificada e a preços competitivos, além da clareza na legislação – estão a atrair dezenas de interessados em tornar Portugal na porta de entrada para o mercado europeu de canábis medicinal. Segundo alguns especialistas do setor, Portugal poderia tornar-se o maior produtor europeu, e as explorações de canábis licenciadas no nosso país já têm capacidade suficiente para abastecer todo o mercado europeu nos próximos anos. Israel já está a importar canábis portuguesa.
Assim, a indústria da canábis medicinal assinala um crescimento exponencial nos últimos anos com a legalização da venda destes produtos em vários países da Europa. O crescimento da procura e as margens associadas levaram à aposta de diversos investidores no mercado de canábis medicinal. De acordo com diversos analistas, este mercado tem o potencial de atingir os 3,2 biliões de euros até 2025.
Mas afinal como se processa o licenciamento em Portugal?
O principal desafio está na interpretação e o cumprimento da regulamentação EU-GACP (Good Agricultural and Collection Practice) e EU-GMP (Good Manufacturing Practice), da Agência Europeia do Medicamento, para poder colocar no mercado, produtos à base da planta canábis para fins medicinais que demonstrem consistência, qualidade, eficácia e que sejam seguros.
A Lei n.º33/2018, de 18 de julho, veio abrir um novo caminho para o negócio da canábis medicinal em Portugal, pois estabeleceu o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais, nomeadamente a sua prescrição e a sua dispensa em farmácia.
A partir de 2019, com o Decreto-Lei n.º8/2019, de 15 de janeiro, que procedeu à regulamentação da Lei supracitada, tornou-se possível produzir canábis medicinal em Portugal. Assim, toda a cadeia de produção, desde o cultivo da planta à sua preparação e distribuição, é conhecida e controlada, sendo possível garantir que os produtos são produzidos de acordo com todas as boas práticas e requisitos aplicáveis. Cabe ao INFARMED (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.) licenciar, regular e supervisionar o ciclo desde o cultivo.
Podemos dividir a indústria da canábis em 6 grandes grupos: Cultivo; Fabrico; Distribuição; Importação e exportação; Trânsito; Prescrição e dispensa.
As licenças de Cultivo devem ser submetidas no INFARMED que irá proceder a uma avaliação documental e a uma inspeção ou vistoria. Após a primeira avaliação documental, validada pelos Ministérios e pelo SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), é emitida uma Decisão de aptidão, que permite ao requerente avançar com o projeto (por exemplo, construções, instalação do sistema de segurança, etc). O processo deve principalmente seguir as orientações de boas práticas agrícola e de colheita (GACP).
Posteriormente, o requerente deverá solicitar a inspeção, sendo marcada uma data para a vistoria. Após vistoria, será emitida uma licença, que deverá ser renovada anualmente.
Por outro lado, o pedido de autorização para Fabrico de medicamentos, preparações e substâncias a partir da planta de canábis para fins medicinais, deve seguir-se sobretudo pelas orientações das boas práticas de fabrico previstas no GMP. O processo de licenciamento segue na sua maioria o mesmo rumo que o processo de licenciamento para cultivo, mas aquando da sua submissão, têm de ser enviados mais elementos. Neste caso, é obrigatória nomeação de uma farmacêutico como Diretor técnico. A licença também é válida por um ano, tendo de ser renovada anualmente.
Existem ainda outros procedimentos de licenciamento para Distribuição, Importação e exportação, e Trânsito. No caso da Prescrição e dispensa: a prescrição está limitada às preparações com Autorização de Colocação no Mercado (ACM) concedida pelo INFARMED. As indicações terapêuticas estão disponibilizadas no website do INFARMED, e incluem por exemplo: dor crónica associada a doenças oncológicas ou do sistema nervoso; epilepsia; esclerose múltipla, entre outras. A utilização de produtos à base de canábis medicinal depende de uma avaliação clínica, efetuada por um médico, que, face às indicações terapêuticas aprovadas, prescreve uma receita médica para levantamento na farmácia. A canábis medicinal só pode ser receitada caso os tratamentos convencionais não produzam os efeitos esperados ou tenham efeitos adversos relevantes.
Em Portugal, já existem entidades licenciadas em todas as atividades económicas referenciadas acima. No entanto, existem ainda alguns desafios nomeadamente a nível regulamentar, devido à morosidade nos prazos de resposta e igualmente à elevada exigência deste setor, que atua não só na área agrícola, mas também e maioritariamente na área do medicamento.
A CONSULAI com a sua equipa qualificada e multidisciplinar tem trabalhado no sentido de apoiar os investidores que queiram apostar no setor da canábis medicinal, tanto ao nível do próprio processo de licenciamento junto do INFARMED como também ao nível dos apoios a fundos comunitários, disponíveis para estes investimentos.
Segundo os dados disponíveis, existe um mercado significativo e com muito potencial que pode gerar receitas e criação de emprego. Na nossa opinião, o futuro passará sobretudo pela promoção da investigação científica e pela desmistificação de lendas e dogmas associados à planta, à sua produção e ao seu consumo.
Fontes:
Legislação aplicável
INFARMED – www.infarmed.pt
Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) – https://opcm.pt/